Impactos de rodovias sobre primatas no Brasil

Tempo de leitura: 8 minutos

Série Infraestrutura Viária & Biodiversidade | Métodos e Diagnósticos

Produtos disponíveis


A Série Infraestrutura Viária & Biodiversidade | Métodos e Diagnósticos é um conjunto de 14 post semanais. Cada post apresentará de forma rápida um tema atual em Ecologia de Estradas. Os temas abordarão monitoramento de fauna atropelada, monitoramento de pequenos mamíferos, telemetria, inteligência geográfica, impactos de rodovias em peixes e muito mais.

Nosso quinto post da Série abordará os impactos das estradas sobre os primatas. Vários dos posts dessa série são adaptações de textos produzidos por autores externos ao B.A.B..

Autores

Helio Secco, Fabiano R. Melo, Maurício Talebi, Marcelo Gordo, Márcio M. M. Júnior, Alex Bager

Resumo

Clareiras lineares formadas por rodovias podem causar a desestruturação de populações de diferentes espécies, sobretudo aquelas de hábito obrigatoriamente arborícola. No Brasil, a presença de primatas entre os registros de espécies atropeladas já foi demonstrada em diversas rodovias. Este texto tem como objetivo elaborar um diagnóstico sobre os impactos de rodovias sobre primatas no Brasil que contribua para o direcionamento dos esforços de pesquisa e subsidie a estratégia de conservação das espécies afetadas.

Um formulário com perguntas envolvendo a temática acerca dos impactos de rodovias sobre primatas foi desenvolvido e enviado para primatólogos. Os resultados apresentados neste estudo foram gerados a partir das respostas de um total de 36 pesquisadores com alto nível de experiência.

Os cinco impactos causados por rodovias com maior grau de ameaça aos primatas foram: formação de áreas abertas, caça, atropelamento, introdução de espécies exóticas e ruído sonoro. Ao todo 61 espécies de primatas brasileiros foram citadas como espécies comprovadamente impactadas por atropelamentos.

Os pesquisadores relataram haver 15 localidades em que passagens de fauna aéreas foram instaladas para o uso de primatas. Em relação ao interesse de participar de algum trabalho relacionado ao tema futuramente apenas 14 dos 36 pesquisadores afirmaram ter. Diante deste panorama geral, considera-se prioritário o desenvolvimento de projetos de pesquisa especificamente voltados para a avaliação de impactos causados por rodovias sobre espécies de primatas brasileiros.

Impacto das rodovias sobre os primatas

Os primatas representam um dos grupos faunísticos menos estudados em relação aos impactos causados por rodovias. No Brasil, registros de espécies de primatas mortos por atropelamento foram constatados em diversas rodovias. Mesmo com a notável diversidade de mamíferos em território brasileiro, e do alto grau de endemismo de espécies, entre elas vários primatas, apenas estudos pontuais foram conduzidos até o momento avaliando passagens de fauna aéreas para primatas em rodovias brasileiras. Tendo em vista o potencial impacto de rodovias sobre populações de primatas e o conhecimento incipiente do tema, este estudo foi realizado.

Estudo de caso

Impactos de rodovias sobre primatas na região Amazônica

Na Amazônia brasileira, os estudos relatando atropelamentos de fauna em geral são escassos e preliminares. No que se refere a primatas, as informações são mais restritas ainda, havendo relatos de mortalidade para Sapajus apella, Alouatta belzebull e Saguinus niger em Carajás, Pará e Saguinus midas e S. bicolor na região de Manaus, Amazonas

Monitoramentos recentes dos atropelamentos de animais em 120 km da BR174, dentro da Terra Indígena Waimiri Atroari (norte do Amazonas-sul de Roraima) registraram um grande número de primatas afetados por tal impacto. Somente no ano de 2012 foram observados 101 primatas mortos por atropelamento neste trecho, com pelo menos 63 exemplares de Saguinus midas, vários exemplares de espécies identificados apenas como “macaco” e, em menor quantidade, indivíduos de Sapajus apella e Saimiri sciureus.

Entretanto, nos anos anteriores foram confirmados atropelamentos de Alouatta macconnelli, Ateles paniscus e Chiropotes sagulatus. Oito passagens de fauna foram instaladas em diferentes pontos ao longo da estrada, aproveitando-se de árvores que cresciam à beira de ambas as margens da pista, e que ao terem as copas conectadas passaram a ser utilizadas por primatas, segundo informações de fiscais da Terra Indígena.

Nas proximidades de Manaus, Amazonas, os principais registros de primatas atropelados são referentes ao sauim-de-coleira (Saguinus bicolor), espécie definida como Ameaçada pela IUCN e Criticamente ameaçada na Lista Brasileira de Espécies Ameaçadas. Apesar de diversos registros de S. bicolor atropelados em estradas estaduais e federais, é dentro do perímetro urbano onde se encontra o maior número de casos registrados, o que é facilitado devido ao monitoramento mais efetivo da espécie na cidade de Manaus.

Como exemplo do impacto oriundo do tráfego de veículos em rodovias, avenidas e ruas sobre o sauim-de-coleira, podemos citar a estrada que corta o fragmento florestal onde está inserido o Campus da Universidade Federal do Amazonas, cujos atropelamentos de sauins vêm sendo monitorados desde 1993, demonstrando que o número de casos é crescente com uma perda média de aproximadamente nove animais por ano entre 2002 e 2013, o que aparece em Análises de Viabilidade Populacional como a principal ameaça à persistência dessa população dentro de tal fragmento. Neste mesmo fragmento também foram registrados seis casos de Pithecia pithecia atropelados nos últimos cinco anos.

Algumas passarelas foram instaladas no Campus da UFAM e no fragmento da Refinaria de Manaus (uma e três, respectivamente), de modo que as mesmas estão sendo usadas pelos sauins, mas algumas passagens naturais, constituídas por árvores parecem ser mais eficientes e utilizadas com maior frequência, como observado em conjuntos residenciais adjacentes ao Campus da UFAM. Entretanto, na tentativa de evitarem o solo, em três locais da cidade foram registrados grupos de sauins usando fios de telefonia ou eletricidade como passagens aéreas. Tal comportamento tem levado alguns animais a óbito ao tentarem usar fios desencapados para as travessias.

Postdlf [GFDL (http://www.gnu.org/copyleft/fdl.html) or CC-BY-SA-3.0 (http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/)], via Wikimedia Commons

Quero saber mais

Se você ainda não está cadastrado no Blog, deixe seu email para receber em primeira mão informações sobre os outros posts dessa Série e saber com exclusividade a data de lançamento do livro.

Fique informad@

Receba as atualizações do Blog Alex Bager com prioridade

Esse post te deixou curioso para saber mais sobre o estudo? Esse texto foi adaptado de um dos capítulos do meu livro Infraestrutura Viária e Biodiversidade. Você pode adquirí-lo aqui.  

O capítulo tem 19 páginas repletas de informações incríveis e com a seguinte estrutura de tópicos:

  • Introdução
  • Material e métodos
  • Resultados e discussão
    • Resultados do Questionário
  • Estudos de caso
    • Impactos de rodovias sobre primatas na região Amazônica
    • Impacto de rodovias sobre espécies ameaçadas de extinção no Sudeste: O caso do muriqui (Brachyteles spp.) e do mico-leão-dourado (Leontophitecos rosalia).

Tenho certeza que esse conhecimento será de suma importância para você estudante, pesquisador ou profissional, que atue em trabalhos ou desenvolva ações de conservação de primatas e impactos de infraestruturas sobre a fauna.


Fiz um post faz pouco tempo a respeito das estradas que cortam a Amazônia. Nele conto também um pouco da história dos índios Waimiri Atroari e de como a preservação da biodiversidade é importante para esse grupo. Clique aqui para ler o post. 

Se quiser ampliar seu conhecimento, visite os posts publicados anteriormente. Garanto que tem muito conteúdo interessante e bacana.

Veja algumas outras publicações de estudos com primatas:

DE MORAIS-JR, M. M. et al. Os sagüis, Callithrix jacchus e C. penicillata, como espécies invasoras na região de ocorrência do mico-leão dourado. Em: Oliveira, P.P., Grativol, A.D., Ruiz-Miranda, C.R. (Org.), Conservação do mico-leão-dourado: enfrentando os desafios de uma paisagem fragmentada. 1. ed. Campos dos Goytacazes: Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, v. 1. pp. 86-117, 2008.

GORDO, M. et al. The Challenges of Survival in a Concrete Jungle: Conservation of the Pied Tamarin (Saguinus bicolor) in the Urban Landscape of Manaus, Brazil. In: MARSH, L. K.; CHAPMAN, C. A. (Eds.), Primates in Fragments: Complexity and Resilience, Developments in Primatology: Progress and Prospects, DOI 10.1007/978-1-4614-8839-2_23, © Springer Science+Business Media New York. 2013.

MELO, F. R.; DIAS, L. G. Muriqui populations reported in the literature over the last 40 years. Neotropical Primates, v. 13, n. ssuppl, 2005.

MOREIRA, L. S. et al. Rede elétrica como ameaça para a conservação do muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus) no Parque Estadual Serra do Brigadeiro, Minas Gerais, Brasil. Anais do II Congresso Latino Americano e XV Congresso Brasileiro de Primatologia. Recife, PE: SBPr, 2013.