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Série Monitoramento de Fauna Atropelada | Dica 3
Neste terceiro post da Série Monitoramento de Fauna Atropelada eu quero traçar alguns comentários sobre os equívocos amostrais relacionados a velocidade de monitoramento.
Erro, errinho, errão
Não preciso convencer ninguém de que, quanto maior a velocidade de monitoramento menor será a chance de você visualizar animais de pequeno e médio porte, não é mesmo? É humanamente impossível ter a mesma probabilidade de visualização de um sapo quando você dirige a 30 ou a 100 km/h. Se alguém discorda levanta a mão 🙂
Essa tal probabilidade se denomina de probabilidade de detecção ou taxa de detecção e isso é fundamental de ser considerado nos estudos de fauna atropelada. Se você é um analista ambiental de um órgão que elabora termos de referência para monitoramento de fauna selvagem, por favor, nunca inclua pequenos vertebrados (normalmente répteis e anfíbios) na lista de exigências de monitoramentos a 50km/h. Se você fizer isso obterá como resultado uma lista semelhante a esta:
- Anfíbios: 20
- Répteis: 23
- Aves: 112
- Mamíferos: 84
Contudo, se o monitoramento fosse realizado a pé os resultados seriam algo como:
- Anfíbios: 452
- Répteis: 211
- Aves: 123
- Mamíferos: 88
Fazer monitoramento a 50km/h ou mesmo a 30km/h de dentro de um veículo, causa uma perda inimaginável de informação sobre os impactos de rodovias e ferrovias. Não estou defendendo que todos os monitoramentos devem ser realizados a pé, entendo o quanto isso é inviável em termos financeiros e logísticos para muitos casos. Entretanto, entregar (ou receber) um relatório informando que 20 anfíbios foram atropelados enquanto o valor real (e não é o real) foi 452, é mentir descaradamente. O pior é que se faz tomada de decisão com dados tão equivocados quanto estes.
Uma história
Já comentei em vários momentos sobre a expedição que realizei pelo Brasil entre agosto de 2018 e junho de 2019 para avaliar os efeitos de rodovias em nossas unidades de conservação. Eu viajava a 80km/h para vencer as longas distâncias e ao mesmo tempo conseguir monitorar animais de médio e grande porte.
No dia 23 de outubro de 2018 eu estava percorrendo um estrada no interior do Piauí. A estrada era pavimentada, mas sem acostamento e um fluxo muito pequeno de veículos. Como você pode imaginar o calor era infernal e a ausência de água no entorno da rodovia era total. Em um ponto identifiquei um cachorro-do-mato atropelado e tive de estacionar o carro uns 300m à frente e retornar para fazer o registro. A minha surpresa foi de que nestes 300m eu encontrei mais de 100 anfíbios atropelados. Devo enfatizar que enquanto estava no carro não havia percebido os animais na pista.