Medidas de mitigação ao atropelamento de fauna selvagem | Ampliando a segurança de pessoas e animais

Medidas de mitigação ao atropelamento de fauna selvagem | Ampliando a segurança de pessoas e animais

Tempo de leitura: 8 minutos

Segurança viária

No primeiro post, intitulado “Medidas de mitigação ao atropelamento de fauna selvagem | Conectando habitats” foram apresentadas medidas de mitigação que permitem à fauna continuar se deslocando entre fragmentos de habitat. Esse deslocamento amplia o potencial de sobrevivência da espécie por permitir a busca por alimento, água e parceiros para reprodução.

Contudo, há um segundo grupo de medidas que devem ser planejadas e instaladas para se evitar a perda de indivíduos pelo atropelamento e, consequentemente os acidentes que causam perdas de vidas humanas e danos materiais.

Conforme afirmado por Lenore Fahrig, a maior pesquisadora mundial de impactos de estradas na biodiversidade, a primeira e mais importante ação a ser implementada é evitar o atropelamento e a redução do número de animais das populações que vivem no entorno das rodovias. De nada vale realizar anos de monitoramento, mantendo a morte contínua de animais e só então implementarmos ações de mitigação. Com base nestes fatos as medidas propostas são as abaixo descritas:

Cercas (Fencing)

Cercas são parte fundamental das ações de mitigação envolvendo travessias de fauna selvagem, apesar de existirem poucos estudos que analisam a efetividade das mesmas.

A cercas, que são implementadas para manter a fauna fora da estrada, podem se tornar um grande problema quando são mal estruturadas e permitem que os animais fiquem presos dentro da faixa de domínio da rodovia. Nestes casos há necessidade permitir que os animais saiam com segurança da área da rodovia instalando portões giratórios, portas articuladas, mata-burros, entre outros métodos. 

Os pequenos e médios mamíferos podem atravessar a maioria das cercas projetadas para mamíferos de grande porte. Diferentes tipos e desenhos de cercas são necessários para evitar que esses animais cheguem à rodovia. As cercas típicas para mamíferos grandes consistem de 2,4 metros de altura, mas no caso de felinos de grande porte podem ser necessárias alturas maiores (até 4 metros). Para evitar que os animais escalem a cerca e cheguem à estrada, a parte superior por ser inclinada a 45 graus direcionada para fora da estrada.

Mourões de cercas instaladas na BR-262 (MS) com inclinação superior

Existem várias espécie, sobretudo de pequeno e médio porte, que são grandes cavadores e neste caso há necessidade que se instale uma cinta (metálica ou estruturas de cimento e concreto) com aproximadamente 1 metro de profundidade e enterrado a um ângulo de 45 graus da cerca e da estrada.

Além da sua importância na redução dos atropelamentos, as cercas são complementos fundamentais para ampliar a efetividade de medidas de conectividade (descritas no outro post) como passagens subterrâneas e superiores. Elas devem criar um funil que direcionam os animais para dentro destas medidas. Sugere-se que as dimensões sejam 500m ou mais para cada lado da medida, apesar de os casos brasileiros normalmente implementarem extensões menores, entre 100 e 300m.

Passagem de fauna com cercas direcionadoras

Sinalização (Signage)

As placas de sinalização, sejam as placas oficiais ou as educativas, têm uma efetividade extremamente pequena no que tange a redução dos atropelamentos, normalmente próximo a 3% de redução.

Elas não devem ser vistas como estratégias de mitigação, mas como informativas e educativas, devendo ser implementadas de forma complementar.

Sistemas de detecção de animais (Vehicle-Animal detection systems)

Também chamadas de cercas virtuais, ainda não há experiências do uso de sistemas de detecção de animais no Brasil, apesar de existirem dois modelos em desenvolvimento. Essencialmente eles se constituem de sensores que identificam o deslocamento de animais nas margens e na pista de rodovia e automaticamente acionam placas de sinalização luminosas que informam aos motoristas a presença de animais à frente.

“Cerca virtual” utilizada em rodovias da Austrália

Apesar do seu conceito interessante e da sua eficácia em alguns países, este método somente é viável para grandes animais (normalmente utilizados para alces, bisões, cervos, …). A sua implantação também requer o conhecimento de trechos específicos e a extensão da sua proteção é reduzida, pois os sensores precisam estar próximos para funcionarem. Os pontos de agregação de atropelamentos sofre mudanças de locais, podendo ocorrer sazonalmente ou permanentemente. Nestes caso todo o aparato tecnológico investido nos sistema de detecção deixam de ser efetivos.

         Outro ponto a ser considerado é que as rodovias brasileiras sofrem roubos de cercas, placas e outras estruturas, seguramente o sensores serão um objeto de roubo e dano frequente devido estarem em uma localização de fácil acesso.

A maioria dos sistemas atuais não diferenciam um galho, uma pessoa ou um animal, requerendo um elevado custo de manutenção e um grande número de falsos positivos, quando o sistema é disparado sem que o animal realmente esteja cruzando a pista.

Refletores (Reflectors)

Refletores foram criados com o intuito de serem instalados ao lado do acostamento das rodovias e, devido a existência de um prisma na sua estrutura, refletirem a luz dos faróis dos carros para o interior da vegetação lindeira à rodovia. A hipótese seria de que a luz afugentaria os animais de irem para a pista.

Os resultados de pesquisas mostraram que os animais rapidamente se acostumam com a iluminação e a efetividade deste método, assim como as placas, é próximo de zero.

Redutores de velocidade

A redução da velocidade é comprovadamente uma excelente forma de evitar acidentes e atropelamento de animais. Alguns estudos revelam que a redução em 10km/h pode implicar na diminuição de 20 a 30% nas taxas de atropelamento de animais de grande porte.

Redutores eletrônicos

Também conhecidos como pardais, os redutores eletrônicos de velocidade são o melhor tipo de redutor devido implicar em custos ao condutor e, consequentemente, uma maior atenção e redução de velocidade.

Já foi demonstrado que redutores de velocidade criam uma faixa de até 1000m de efetiva mudança de comportamento no motorista. A redução da velocidade tem início nas placas de sinalização que informam a presença do aparelho e se intensifica com a aproximação do mesmo. Depois do equipamento, existe uma distância  de resposta que determina uma retomada da velocidade inicial após 300 a 500m.

Este tipo de medida, quando associada a outras estratégias, como passagens de fauna e cercas, tem obtido os melhores resultados na redução dos acidentes.

Lombadas e sonorizadores

As lombadas e os sonorizadores são muito menos efetivos, quando comparados aos redutores eletrônicos, devido a faixa de redução de velocidade ser menor, normalmente 100 a 200m. Apesar de serem medidas de baixo custo, são responsáveis por acidentes quando mal sinalizadas. A legislação atual não permite seu uso em rodovias, apesar de várias exceções.

Aplicativos de celular

Um método que está se fortalecendo é o uso de aplicativos que informam aos motoristas onde estão as áreas de risco de atropelamentos. Este método é extremamente barato e eficaz, mas requer que o usuário seja consciente e realmente reduza a velocidade quando informado de um trecho de risco. 

A Environment desenvolve o U-Safe, um aplicativo que informa áreas de risco nas rodovias brasileiras. A empresa usa dados reais, inteligência artificial e os melhores modelos matemáticos para identificar, quilômetro a quilômetro, qual a chance de você atropelar animais selvagens, domésticos e de sofrer um acidente de trânsito.

U-Safe.- app de segurança viária que informa áreas de risco de atropelamento

Enquanto cercas, redutores e outras estruturas de mitigação são fixas, de elevado custo e requerem um grande esforço para a identificação do local para sua instalação, o aplicativo é altamente adaptável. A vantagem disso é que sempre que a base de dados é alimentada os modelos são atualizados e consequentemente os riscos do trecho. Com o tempo os modelos aprendem como as áreas críticas mudam de lugar em cada época do ano e disponibiliza a melhor solução de proteção para os usuários da rodovia. 

Pontos importantes

Propostas de ações de mitigação de impactos ambientais de infraestrutura viária à biodiversidade, sobretudo o atropelamento, devem ser desenvolvidas como um conjunto de ações.

Passagens sem cercas são ruins, placas como método de proteção não funcionam, monitorar e não agir é um equívoco, ….

Se sua empresa busca soluções efetivas, bem embasadas e que resolvam o problema, busque profissionais com comprovado conhecimento na área. Evite investir milhares de reais em trabalho de campo e obter relatórios ruins e com tomada de decisão equivocadas.

Onde obter mais informação?

Se você deseja saber mais sobre este ou outros assuntos relacionados a infraestrutura viária e biodiversidade sugiro busque outros posts ou mesmos os textos técnico/científicos que compartilho aqui no BAB.

Caso você tenha interesse em conhecer mais sobre métodos de estudos relacionados à infraestrutura viária e biodiversidade sugiro a leitura do meu livros. Saiba mais como adquirí-los clicando aqui

Infraestrutura Viária & Biodiversidade (2018)