Medidas de mitigação ao atropelamento de fauna selvagem | Conectando habitats

Medidas de mitigação ao atropelamento de fauna selvagem | Conectando habitats

Tempo de leitura: 8 minutos

Conectar ou evitar

A mitigação aos impactos de infraestrutura viária para a vida selvagem tem dois objetivos principais: (1) conectar habitats e populações de fauna e (2) aumentar a segurança dos motoristas e reduzir a mortalidade da fauna selvagem nas estradas.

Neste primeiro post vou falar das medidas de mitigação que conectam habitats e consequentemente ampliam a chamada conectividade estrutural das populações de animais afetadas pela fragmentação gerada por infraestrutura viária.

Planejamento da paisagem

É importante lembrar que a instalação de uma medida que amplia a conectividade, como uma passagem subterrânea, sempre deve estar associada ao planejamento territorial do seu entorno. Esse tipo de medida só faz sentido se houver habitats naturais para a espécie foco no entorno da passagem. Se a espécie que se deseja proteger não possui área natural para se deslocar até a passagem, esta medida nunca será utilizada e sua efetividade será muito menor que a desejada.

A conexão de habitats pode ocorrer pela instalação de medidas acima ou abaixo da estrada. Elas podem ser exclusivamente para uso da vida selvagem, uso misto (animais e humanos) ou como parte de infraestruturas instaladas para outras finalidades (por exemplo, dutos de água, canais e pontes).

Desta forma as diferentes medidas podem ser divididas em superiores e inferiores:

Medidas superiores

Apesar dos livros, artigos e alguns pesquisadores utilizarem as diferentes denominações que vou comentar com você, algumas delas são difíceis de diferenciar. Na prática não há problema, o mais importante é o conceito e o entendimento das suas vantagens, desvantagens e grupos faunísticos que podem se utilizar dos seus benefícios.

Pontes de paisagem (Landscape bridge)

As pontes de paisagem são as maiores estruturas de cruzamento de fauna e também as mais caras. Sua largura normalmente possui mais de 100 m e permite a restauração de habitats, sobretudo quando concebidas e integradas de forma a haver continuidade de habitats de um lado para o outro. Normalmente são implementadas para propiciar o deslocamento de grandes animais, mas se mostram efetivas para um amplo espectro de fauna, inclusive invertebrados. Um dos exemplos clássicos é o do parque de Banff, no Canadá. Clique aqui e acesse o link com muita informação, vídeos e dados. 

Ponte de paisagem implantada no Parque Nacional de Banff, Canadá. Foto: Parks Canada.

Passagens superiores (Wildlife overpass)

São semelhantes às pontes de paisagem, mas a sua largura é menor. Normalmente são destinadas a grandes mamíferos, mas outras espécies também podem ser muito beneficiadas. Elas têm larguras de 15 a 50m ou mais. As diretrizes para o paisagismo das passagens superiores da vida selvagem são idênticas às das pontes de paisagem, mas considerando suas dimensões.

Passagem superior implantada em rodovia do norte da Argentina.

Algum tempo atrás eu publiquei um outro post onde comento sobre as iniciativas brasileiras para implantação de passagens superiores e apresento minha opinião de como devem ser propostas e planejadas. Você pode acessar o post clicando aqui.

Passagem superiores multiuso (Multiuse overpass)

São semelhantes às passagens superiores, mas tem como objetivo permitir a sua utilização por animais selvagens e por humanos. Normalmente são menores do que passagens superiores, geralmente entre 15 e 25m de largura, enquanto algumas podem ser tão estreitas como 10m. Podem ser adequados para o movimento de alguns grandes mamíferos, mas nem todas as espécies utilizarão regularmente estruturas com uso e atividade humana frequente. Os pequenos e médios mamíferos tendem a utilizar estas estruturas, especialmente as espécies generalistas, comuns em ambientes antropizados.

Passagem de dossel (Canopy crossing)

A passagem de dossel são implantadas para ligar habitats florestais separados por estradas. Foram concebidas para espécies semi arborícolas e arborícolas cujos movimentos são fortemente impactados pelas estradas. As passagens de copa das árvores permitem movimentos entre florestas em muitos tipos e larguras de estradas. O desenho e os materiais utilizados dependerão do local e das espécies a que se destinam. As estruturas consistem em cordas ou cabos grossos de ancoragem às árvores ou em dispositivos permanentes (vigas de sinalização, postes de luz, etc.), permitindo que os animais se desloquem entre copas de árvores situadas em lados opostos da estrada. Sobre pequenas estradas (ou ferrovias) podem ser instalados cordas ou cabos entre as árvores.

Passagem de dossel no Parque Estadual Carlos Botelho (SP).
Passagem de dossel utilizada por espécies arborícolas. (Foto: https://www.thebetterindia.com/)

Medidas inferiores

Viaduto (Viaduct)

Os viadutos são a maior das estruturas de passagem inferior utilizadas pela fauna, mas  geralmente não são construídos especificamente para o movimento da fauna. O grande vão e o espaço livre da maioria dos viadutos permite a sua utilização por uma grande variedade de animais. As estruturas podem ser adaptadas para anfíbios e espécies semi aquáticas e semi arbóreas. Os viadutos são uma alternativa à construção de passagens inferiores, que tendem a ter um maior efeito de barreira à fauna e menor conectividade com o habitat em comparação com os viadutos.

Passagem inferior do tipo viadutos. Viaduto da Via Anchieta (SP).

Passagem inferior (Underpass)

As passagens inferiores são as mais utilizadas no Brasil e tem dimensões extremamente variadas. Em geral, as grandes passagens inferiores brasileiras possuem 2x2m, mas no mundo estas estruturas podem chegar a 10x4m. Tem se mostrado efetivas para um grande número de espécies, sempre condicionado ao tamanho, ou seja, quanto maior, mais espécies utilizam. No Brasil normalmente são construídas em concreto (quadradas) ou em grandes dutos (redondas), neste último caso geralmente são considerados como Dutos modificados (ver abaixo). Em alguns países é normal se constatar o uso de cobertura de casca ou tocos de madeira para tornar o ambiente mais “amigável” às espécies foco, mas esta estratégia é pouco implementada no Brasil.

Passagem inferior de concreto. Foto: DNIT

Passagem inferior multiuso (Multiuso underpass)

Passagem subterrânea multiuso tem uma estrutura semelhante ao de uma grande passagem inferior (descrita acima), já que permite o uso tanto pela fauna como por pessoas. Apesar de alguns grandes mamíferos poderem utilizar eventualmente a estrutura, normalmente serão utilizadas por espécies generalistas comuns em ambientes dominados pelo homem.

Passagem inferior com fluxo de água (Underpass with water flow)

Estas estruturas são concebidas para acomodar necessidades duplas, de água em movimento e fauna, mas não devem ser confundidas com dutos modificados pois são construídas com o objetivo de propiciar alguma conectividade para a fauna terrestre. Os pequenos e médios mamíferos geralmente utilizam estas estruturas, particularmente se o habitat no entorno do ambiente aquático for mantido ou se for fornecida cobertura ao longo das paredes da passagem através do uso de troncos ou toras de raízes. Estas estruturas podem ser facilmente adaptadas para anfíbios e espécies semi aquáticas.

Passagem inferior com fluxo de água. Foto: https://www.foxrunenvironmentaleducationcenter.org/

Dutos modificados (Modified culvert)

Dutos modificados são adequações realizadas em estruturas implantadas para outras finalidades, sobretudo para pequenos canais e córregos. Normalmente são construídas plataformas secas ou passarelas nas paredes laterais internas do duto e acima da marca de água. Rampas devem ligar o ambiente externo às plataformas no interior da estrutura de drenagem. São adaptações de baixo custo, que podem ser um importante complemento ao conjunto de medidas que precisam ser implementadas, mas que normalmente não atingem todas as espécies desejadas.

Duto modificado, com passarela seca interna e acesso à passarela. Foto: Creative Nature

Pontos importantes

Toda a tomada de decisão sobre o conjunto de medidas que ampliam a conectividade deve iniciar pela decisão de qual ou quais espécies devem ser priorizadas e pela análise espaço-temporal dos pontos de agregação, muitas vezes denominados de hotspots. Também deve ser considerado que as medidas de conectividade sempre estarão associadas à medidas de redução de atropelamento, descritas no próximo post.

Outro ponto importante é o tempo que a fauna leva para se adaptar à medida. Nós gostaríamos que os animais passassem a utilizar as passagens no mesmo dia que a obra foi concluída, mas isso está longe de ser o normal. Espécies mais acostumadas ao convívio humano podem iniciar o uso rapidamente, mas outras podem levar meses ou anos para finalmente fazer uso das passagens. 

Um campo novo para estudos é o de enriquecimento das passagens para tornar o ambiente mais propício e ampliar a frequência de uso, assim como a maior riqueza de espécies potenciais.

Onde obter mais informação?

Se você deseja saber mais sobre este ou outros assuntos relacionados a infraestrutura viária e biodiversidade sugiro busque outros posts ou mesmos os textos técnico/científicos que compartilho aqui no BAB.

Caso você tenha interesse em conhecer mais sobre métodos de estudos relacionados à infraestrutura viária e biodiversidade sugiro a leitura do meu livros. Saiba mais como adquirí-los clicando aqui

Infraestrutura Viária & Biodiversidade (2018)