“Ah.. nunca vi nenhum animal atropelado em rodovia, esse impacto é muito baixo”
“Impossível que 475 milhões de animais silvestres sejam atropelados por ano no Brasil”
“As pessoas se importam tanto com a morte de animais atropelados, quantas pessoas morrem todos os dias no Brasil for falta de…..”
Estas frases estão no meu cotidiano e é bem possível que você já tenha ouvido coisas parecidas. Também já me acostumei com os olhares desacreditados quando falo da estimativa de que 475 milhões de animais selvagens são atropelados ao ano no Brasil. Mas sim, o número é real e se quiser saber sobre como ele foi obtido fiz um outro post explicando.
Na verdade esse texto nem estava programado, mas acabei ficando um pouco assustado com uma situação que venho observando no Facebook do Sistema Urubu (LINK) e resolvi falar a respeito. Um dos principais objetivos de nossa página é sensibilização e conscientização das pessoas e para isso, sempre compartilhamos notícias a respeito de acidentes envolvendo animais.
É visível como as pessoas realmente se sensibilizam com esse tipo de postagem. Como essa prática de compartilhamento de notícias é mais recente (começamos há cerca de um ano) nunca paramos para avaliar o número de matérias publicadas e suas características. E olha, eles são incríveis. E quando digo incrível não é no sentido positivo. Resolvi então converter essas notícias em números.
Fiz uma busca nas notícias do Google usando o termo “Atropelamento de fauna”, selecionando as ocorrências no Brasil e o mês da notícia. Sempre que disponível coletei dados da espécie e localidade. Sem dúvida uma pesquisa mais aprofundada, usando outras combinações de termos, geraria um número ainda maior. Ah, uma coisa bastante importante é que considerei apenas animais selvagens.
Transformando as notícias em números
Vamos falar do que as pessoas realmente gostam, os números. Entre junho de 2018 e hoje encontrei 77 notícias. Eu sei, esse valor é impressionante e acredite, esse número está muito longe de ser a totalidade das ocorrências. Milhares de outros acidentes não são noticiados ou são noticiados por outros meios que a busca do Google não encontra, como alguns blogs.
Encontrei notícias de 17 estados brasileiros, sendo que 22 foram do estado de São Paulo, 11 do Paraná, 10 do Mato Grosso do Sul e 7 do Rio de Janeiro. Só estes quatro estados correspondem a quase 65% delas.
É bem fácil de entender o motivo destas ocorrências terem sido noticiadas. Praticamente todas tratam de acidentes envolvendo animais de médio e grande porte, o que geralmente causa um estrago maior. No total foram 111 animais registrados.
A notícia com maior número de animais atropelados é no mínimo inusitada. Trata-se de um atropelamento de filhotes de tartarugas marinhas que erraram o caminho do mar e acabaram em uma estrada, em Alagoas.
Em seguida aparecem várias notícias de felinos (onça-parda, onça-pintada, gato-do-mato, jaguatirica e gato-mourisco), que somaram 36 registros. Aqui em baixo está a lista com os animais que foram noticiados e o número de ocorrências de cada um deles. Assim como no caso das tartarugas, tiveram outras ocorrências de um atropelamento envolvendo mais de um indivíduo.
Destas, pelo menos cinco das espécies são ameaçadas de extinção. Digo “pelo menos” porque nem sempre a espécie atropelada foi citada e normalmente é impossível identificá-las pelas fotos das matérias. Contudo foi possível verificar Lobo-guará, Onça-parda, Onça-pintada, Tamanduá-bandeira e Anta, todas elas categorizadas como vulneráveis (VU) pelo Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, de 2016.
Espécies ameaçadas identificadas nas notícias
Muito além de perdas ambientais…
Confesso que outro aspecto me preocupou. Pelo menos dois desses acidentes ocorreram dentro de unidades de conservação, mais especificamente Parques Nacionais. Nem preciso dizer o quanto isso é um agravante né?
Quem me acompanha sabe que esse é um assunto que sempre discuto. Não é atoa que estou desde agosto de 2018 desenvolvendo a Expedição Urubu na Estrada, que é uma ação que visa avaliar os impactos das infraestruturas viárias (rodovias e ferrovias) sobre a biodiversidade das Unidades de Conservação em todo o país. Você pode entender melhor o que estou dizendo no post que publiquei há um tempo atrás.
Como já falei em posts anteriores, além do evidente impacto ambiental há os sociais e econômicos.
Vamos falar de custos, acredito que para muitos esse sim pode ser um bom motivo para reduzir os atropelamentos. Como já comentei, a maioria das notícias se referem a animais de médio e grande porte e em grande parte se desconhece o motorista e as consequências do atropelamento. Considerando aquelas que tinham informações mais detalhadas do acidente, uma delas registrou uma vítima fatal, pelo menos quatro dos acidentes tiveram ferimento de pessoas, além de perdas materiais registradas em alguns deles.
Em um post que publiquei no ano passado cito valores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) para os custos de acidentes envolvendo animais. Um acidente com vítima fatal custa para o governo uma média de R$646.762,94, quando ele envolve vítimas não fatais custa, em média, R$90.182,71 e mesmo quando ele é um acidente sem vítimas o valor é surpreendente, uma média de R$23.062,97.
São dados oficiais, não tirei estes números da minha cabeça. Dinheiro este que poderia ser investido em estudos para redução destes impactos. Você pode ler o post completo clicando aqui.
Os dados podem ser ainda mais impressionantes!
Dois pesquisadores produziram um artigo em 2014 a respeito de notícias de acidentes envolvendo animais. Diferente do que fiz, eles consideraram os acidentes com animais de médio e grande porte, independente de serem selvagens e domésticos. Consideraram apenas notícias que informassem os danos causados pelo acidente, os resultados foram surpreendentes.
Foram 125 acidentes que envolveram 135 animais, isso levou à 66 vítimas fatais, 166 pessoas feridas e 73 animais mortos. A maioria dos acidentes registrados envolveram animais domésticos, mas foram os acidentes envolvendo animais selvagens que acarretaram o maior número de óbitos. Se quiser ler o artigo e saber mais sobre a pesquisa clique aqui.
E aí eu retomo às frases do início do post
E você, tem feito sua parte?
Qual a sua contribuição para reduzir ou evitar estes acidentes? Quanto você já teve de perdas materiais e humanas em acidentes envolvendo animais nas estradas?
Gostaria muito de entender mais sobre suas experiências e vivências sobre esse tema. O CBEE criou o Diagnóstico Nacional de Acidentes com Atropelamento de Animais (DNA3), que até o momento recebeu 984 respostas. Ele é um diagnóstico super importante para que possamos entender melhor o impacto das estradas sobre a biodiversidade e os usuários. Se quiser contribuir respondendo, ele está disponível clicando aqui.