Série Monitoramento de Fauna Atropelada | Dica 4
Neste quarto post da Série Monitoramento de Fauna Atropelada eu quero discutir sobre o efeito da equipe na qualidade dos dados em monitoramentos de fauna atropelada.
Adoro uma história
Sempre explico para as pessoas que o protocolo que sugiro que você utilize se quiser qualificar seus dados é o resultado de 20 anos de erros e acertos que eu mesmo pratiquei e aprimorei. Nenhum dos pontos que abordo é resultado de teoria, mas de milhares de dias de monitoramento em campo.
Um dos períodos que realizei mais monitoramentos (e que cometi mais erros) foi justamente no início das minhas atividades na área de ecologia de estradas. Isso aconteceu lá na virada do século e se intensificou em 2002 quando obtive meu primeiro financiamento para um projeto de fauna atropelada.
Nesta época eu era professor em uma universidade no sul do Rio Grande do Sul e tinha uma equipe de estudantes de ecologia que adoravam ir para campo. O único carro que a universidade possuía era uma kombi, daquelas que o banco da frente permite três pessoas e haviam mais dois bancos de três pessoas como passageiros.
Equipe de vários alunos coletando dados de um furão atropelado
Era uma universidade pequena, com poucos professores fazendo pesquisa, e em alguns momentos o número de pessoas interessadas em ajudar em um trabalho de campo era enorme. Nestes dias, muitas vezes, os nossos monitoramentos tinham cinco pessoas observando a rodovia ao mesmo tempo, isso sem contar o motorista (eu).
Contudo, no período de férias ou em semanas que antecediam as provas, o número de alunos reduzia drasticamente e era normal realizarmos os monitoramentos em duas pessoas, motorista e observador.
A famosa taxa de detecção
Agora quero que lembre daquele último filme policial que você assistiu, quando uma vítima é raptada, possivelmente morta e levada para uma mata. Rapidamente o xerife da cidade reúne dezenas de pessoas e elas iniciam uma busca frenética para encontrar nossa vítima.
Parece óbvio que o tamanho da equipe de busca influencia diretamente na chance de encontrar ou não a pessoa desaparecida, certo? Vou reescrever a frase, parece óbvio que o número de pessoas que realizam o monitoramento influencia diretamente na probabilidade de detectar ou não a pessoa desaparecida.
Pois é, se você tem acompanhado os outros posts desta série verá que falei muito de taxa de detecção na Dica 3 e isso novamente é o foco para a definição da equipe que realiza o monitoramento de fauna atropelada.
Consultorias, equipes de pesquisadores e concessionárias
Sejamos realistas, poder contar com uma equipe de monitoramento com 3, 4, 5, ou mais pessoas é um luxo que apenas algumas equipe de pesquisadores em universidades podem pensar. A realidade logística e financeira de consultorias contratadas para monitoramentos de fauna atropelada é completamente diferente, normalmente com apenas uma ou duas pessoas em suas equipes.
A sorte é que equipes de duas pessoas são perfeitas para esse trabalho e na verdade equipes maiores são um erro.
Quando 2 é + que muitos
O segredo para um bom resultado em monitoramentos é a constância da taxa de detecção e não uma taxa de detecção de 100%. Primeiro porque independente do número de pessoas a taxa nunca será 100%, segundo porque o principal objetivo de um monitoramento em permitir que você compare os resultados no tempo e no espaço. Você quer responder questões como:
- A mortalidade de animais reduziu depois que implantei estratégias de mitigação?
- O trecho 1 tem mais ou menos atropelamento que o trecho 2?
- Qual época do ano a mortalidade é maior e para qual espécie?
Agora imagine se na primavera você tem uma equipe com quatro pessoas, mas no verão você tem menos dinheiro e contrata apenas duas, um motorista e um observador. Aí seus resultados amostrais mostram que na primavera você teve uma taxa de atropelamento de 0,3 ind./km/dia, enquanto que no verão a taxa foi de 0,18 ind./km/dia.
A pergunta será, a maior taxa de atropelamento na primavera foi uma consequência de mais atropelamentos ou porque você tinha uma equipe maior e mais olhos identificando animais mortos? Você nunca terá uma resposta para essa pergunta.
Resumindo
Todo monitoramento deve buscar uma taxa de detecção constante ou próximo disso. Existem dezenas de variáveis que influenciam essa taxa e é nossa obrigação buscar aperfeiçoar os delineamentos para reduzir nossos erros amostrais.
Sempre buscamos comparar os resultados, seja como outros estudos, o mesmo estudo em diferentes épocas, …. e ter um número fixo de observadores é uma das estratégias que devemos empregar.
Se você ponderar as questões de logística, custos e disponibilidade de pessoal verá que a única resposta plausível para a formação da equipe é duas pessoas. Uma deve apenas dirigir, focada em segurança e no trânsito, enquanto que a segunda é responsável pelo monitoramento efetivo.
Mais pessoas podem aumentar momentaneamente a taxa de detecção e aparentemente melhorar o monitoramento, mas tenho certeza que você não conseguirá manter uma equipe maior em campo durante todo o trabalho e isso introduzirá um erro irrecuperável aos seus dados.
Artigos anteriores
Se você chegou agora e perdeu os outros três posts da Série Monitoramento de Fauna Atropelada, os temas e links são:
- Dica 1 | Vantagens e desvantagens de monitoramentos sistemáticos e eventuais
- Dica 2 | A importância da taxa de atropelamento |
- Dica 3 | Diferentes velocidades com diferentes resultados |
Onde obter mais informação?
Se você deseja saber mais sobre este ou outros assuntos relacionados a infraestrutura viária e biodiversidade sugiro busque outros posts ou mesmos os textos técnico/científicos que compartilho aqui no BAB.
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