Diferentes velocidades com diferentes resultados

Série Monitoramento de Fauna Atropelada | Dica 3

Neste terceiro post da Série Monitoramento de Fauna Atropelada eu quero traçar alguns comentários sobre os equívocos amostrais relacionados a velocidade de monitoramento.

Vídeo:https://youtu.be/Ioms9xJ0SC0?feature=shared

Erro, errinho, errão

Não preciso convencer ninguém de que, quanto maior a velocidade de monitoramento menor será a chance de você visualizar animais de pequeno e médio porte, não é mesmo? É humanamente impossível ter a mesma probabilidade de visualização de um sapo quando você dirige a 30 ou a 100 km/h. Se alguém discorda levanta a mão!

Essa tal probabilidade se denomina de probabilidade de detecção ou taxa de detecção e isso é fundamental de ser considerado nos estudos de fauna atropelada. Se você é um analista ambiental de um órgão que elabora termos de referência para monitoramento de fauna selvagem, por favor, nunca inclua pequenos vertebrados (normalmente répteis e anfíbios) na lista de exigências de monitoramentos a 50km/h. Se você fizer isso obterá como resultado uma lista semelhante a esta:

  • Anfíbios: 20
  • Répteis: 23
  • Aves: 112
  • Mamíferos: 84

Contudo, se o monitoramento fosse realizado a pé os resultados seriam algo como:

  • Anfíbios: 452
  • Répteis: 211
  • Aves: 123
  • Mamíferos: 88

Fazer monitoramento a 50km/h ou mesmo a 30km/h de dentro de um veículo, causa uma perda inimaginável de informação sobre os impactos de rodovias e ferrovias. Não estou defendendo que todos os monitoramentos devem ser realizados a pé, entendo o quanto isso é inviável em termos financeiros e logísticos para muitos casos. Entretanto, entregar (ou receber) um relatório informando que 20 anfíbios foram atropelados enquanto o valor real (e não é o real) foi 452, é mentir descaradamente. O pior é que se faz tomada de decisão com dados tão equivocados quanto estes.

Uma história

Já comentei em vários momentos sobre a expedição que realizei pelo Brasil entre agosto de 2018 e junho de 2019 para avaliar os efeitos de rodovias em nossas unidades de conservação. Eu viajava a 80km/h para vencer as longas distâncias e ao mesmo tempo conseguir monitorar animais de médio e grande porte.

No dia 23 de outubro de 2018 eu estava percorrendo um estrada no interior do Piauí. A estrada era pavimentada, mas sem acostamento e um fluxo muito pequeno de veículos. Como você pode imaginar o calor era infernal e a ausência de água no entorno da rodovia era total. Em um ponto identifiquei um cachorro-do-mato atropelado e tive de estacionar o carro uns 300m à frente e retornar para fazer o registro. A minha surpresa foi de que nestes 300m eu encontrei mais de 100 anfíbios atropelados. Devo enfatizar que enquanto estava no carro não havia percebido os animais na pista.

A visão dessa centena de anfíbios foi tão forte que fiz este vídeo que eu compartilho abaixo. Não se preocupe que não há sangue nas imagens, são dezenas de pequenas manchas no asfalto.

Resumindo

Seja você analista ambiental, empreendedor ou psquisador, as dicas abaixo vão qualificar qualquer estudo de mortalidade de fauna atropelada em rodovias e ferrovias.

  • Avalie a necessidade de monitorar espécies de pequeno porte;
  • Se a resposta for sim, proponha um delineamento experimental com monitoramentos de carro e a pé;
  • Se monitoramentos a pé forem impossíveis, NÃO exija a apresentação de dados de pequenos vertebrados, foque em médios e grandes;
  • Ainda quer que todas as classes sejam monitoradas? Não faça comparações do número de animais entre as classes;
  • É possível propor um experimento DE BOA QUALIDADE para se estabelecer a probabilidde de detecção para cada porte de animais. Aí os dados poderão ser corrigidos e comparados.

Só pra reforçar…. avaliar os impactos de rodovias e ferrovias em pequenos vertebrados é fundamental e deve ser realizado. Entretanto, se empregar um único método, com monitoramentos a 50km/h ou superior e acreditar que os números apresentados são reais é, no mínimo, ingenuidade.

Artigos anteriores

Se você chegou agora e perdeu os outros dois posts da Série Monitoramento de Fauna Atropelada, os temas e links são:

Onde obter mais informação?

Se você deseja saber mais sobre este ou outros assuntos relacionados a infraestrutura viária e biodiversidade sugiro busque outros posts ou mesmos os textos técnico/científicos que compartilho aqui no BAB.

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