Unidades de conservação NÃO precisam de ferrovias, rodovias e de um Ministro que pense ao contrário

Unidades de conservação NÃO precisam de ferrovias, rodovias e de um Ministro que pense ao contrário

Tempo de leitura: 8 minutos

Ferrovias, rodovias e seus impactos

Há décadas que centenas de pesquisadores trabalham no Brasil e no mundo para avaliar os efeitos de rodovias e ferrovias no meio ambiente. Os dados são irrefutáveis e estão disponíveis, basta um pouco de interesse. Algumas palavras-chave são ecologia de estradas, atropelamento de animais, impactos de rodovias, wildlife roadkill, road ecology, roadless.

Estradas obviamente são importantes para o desenvolvimento econômico e social de qualquer país. Não há que se discutir isso. Entretanto, ferrovias e rodovias causam impactos ambientais que podem chegar a 5 km de distância do seu eixo e isso também é uma verdade irrefutável.

Os impactos de rodovias e ferrovias podem atingir mais de 5 km de distância

Os impactos são de toda ordem e tipo. Carro, caminhões e trens poluem o ar com gases, com som, atropelam animais selvagens, assustam outros e as estradas impedem que muitas espécies continuem se deslocando e reproduzindo.

Unidades de Conservação e Estradas

Unidades de Conservação são a única forma de garantirmos a preservação da nossa fauna e flora, mas também da própria espécie humana. As Unidades garantem ao homem vários benefícios tais como água, pesca, manutenção do clima, extrativismo, remédios, turismo e muito mais. Isso se denomina de serviços ambientais e existem dúzias de excelentes exemplos.

O mestrado da pesquisadora Bianca Morais do Centro Brasileiro de Estudo em Ecologia de Estradas (CBEE) da Universidade Federal de Lavras constatou que, dos 393 parques analisados no Brasil, 367 são afetados por rodovias e ferrovias. A pesquisadora ainda comenta que 163 destes parques podem ter toda sua área impactada por infraestrutura viária.

Avaliação nacional do impacto potencial de rodovias e ferrovias nas Unidades de Conservação

Neste momento estou desenvolvendo meu pós-doutorado, visitando o maior número de Unidades possíveis e avaliando os efeitos de rodovias e ferrovias nas suas áreas. Se você deseja saber mais sobre este trabalho, acesse a página da Expedição Urubu na Estrada.

Já escrevi um post falando sobre impactos de rodovias e ferrovias em Unidades. Você pode ler ele clicando aqui.

E o Ministro quer ferrovias em Unidades de Conservação

No último dia 8 de janeiro foi publicada uma entrevista exclusiva do Ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, ao jornal O Globo.

As afirmações, originadas da boca daquele que deveria priorizar a preservação ambiental são aterradoras.

Algumas das pérolas são:

[Ministro] Rever a classificação de Unidades de Conservação. [Alex] É preciso entender que diferentes categorias de Unidades (Reserva Biológica, Estação Ecológica, Parque, etc) implicam em níveis de restrições. Alguns permitem e outros não permitem visitação, alguns permitem exploração de recursos naturais e assim vai. Rever a classificação pode implicar no aumento da degradação nas Unidades. [Ministro] Você pode ter ferrovia passando em unidade de conservação e a compensação econômica por essa ferrovia ser o recurso necessário para cuidar dos outros. Você pode ter uma linha de transmissão numa unidade de conservação e o royalty que ela vai pagar para passar ali ser justamente o recurso, e às vezes até o Know How, porque você pode embutir monitoramento por sistema de câmera, por satélite, por drone, etc. [Alex] Aham, vamos lá. (1) o dinheiro arrecadado em Unidades vai para caixa única do governo, não existe essa história de gerar e ficar com o recurso; (2) visite uma Unidade e pergunte quantos analistas concursados existem trabalhando em cada Unidade. Se existirem cinco será muito, mas acredite que normalmente é muito menos; (3) o governo tem uma das suas bandeiras na flexibilização do licenciamento ambiental. Parece contraditório se falar em monitoramentos com satélites, drones, …. se não haverá estudos prévios, dinheiro e pessoal. (4) na melhor das hipóteses vamos gerar o dano e depois monitorar. [Ministro] É essa dicotomia entre desenvolvimento e meio ambiente que tem matado as unidades de conservação. [Alex] Na verdade o que tem matado as Unidades é o fato delas estarem “embaixo do rabo do cachorro” em nível de prioridade, sofrendo pressões de todas as partes e sobretudo de ruralistas mal intencionados, governantes e políticos irresponsáveis. [Ministro] “aqui não entra ninguém, nada”, não é realista. Primeiro ter nas unidades de conservação turismo de verdade, e não dizer que recebe e não ter nenhuma estrutura. Ter um corpo eficiente de monitores, guarda-parque, tem que receber bem o turista e cobrar por isso. [Alex] Primeiro, a história de “aqui não entra ninguém” só ocorre em pouquíssimas Unidades. Em todas as demais existem áreas restritas, mas há também áreas destinadas ao turismo. Agora, no restante da frase o Ministro está certíssimo, vamos instrumentalizar o turismo em Unidades, só precisa dizer como ele financiará toda essa transformação.

Trocando em miúdos

  • A entrevista mostra a exata perspectiva que o meio ambiente brasileiro passará nos próximos anos. Temos um Ministério subalterno a outro, que teve a posse de seu Ministro renegada a meia dúzia de pessoas e nenhuma presença significativa. Ahh, fechada à imprensa.
  • Minha opinião de pesquisador com 20 anos de experiência em impactos de rodovias e ferrovias na biodiversidade, é de que a liberação de qualquer infraestrutura viária em Unidades de Conservação requer estudos ainda mais aprofundados que os realizados atualmente.  Há necessidade de fortalecimento do licenciamento, não sua flexibilização.
  • Vários meios de comunicação elogiaram a equipe formada para o Ministério do Meio Ambiente, quando esta foi divulgada. Veremos se essa incrível equipe terá coragem de “peitar” este tipo de decisão ou os renomados nomes se curvarão ao seu novo cargo e seguirão com os “rabos entre as pernas”.
  • Enfatizo que eu, e tenho certeza que qualquer outro(a) pesquisador(a) da área, sempre estivemos e continuamos à disposição para auxiliar na tomada de decisão. Um governo que diz que ampliará apoios para pesquisa científica deve fazer uso adequado de todo conhecimento produzido. De nada adianta gerar conhecimento e colocá-lo na estante, com o ego satisfeito.

Estamos na Era dos “gênios” protegidos pelas redes sociais!!!

No último dia 11 de janeiro publicamos o post da matéria do O Globo na página do Sistema Urubu no Facebook. Alguns comentários precisam ser feitos:

  1. Nunca uma postagem na página teve tanto envolvimento, compartilhamento e comentários. Até o momento que publiquei o post eram quase 1.500 envolvimentos;
  2. O link manda o leitor para uma página fechada do O Globo, onde só assinantes têm acesso, ou seja 99% das pessoas se posicionaram pela capa. Normal, né?;
  3. Nos quase 150 comentários não há uma única colocação técnica, apenas paixão, egos e ignorância. Afirmo isso para os dois lados;
  4. Impressionante como a vinculação ideológica é colocada em dezenas de comentários. Para esclarecer, não sou de nenhum partido e fazem umas 10 eleições que justifico meu voto. Assim me poupe de me enquadrar em um lado ou outro que não vai fazer qualquer sentido;
  5. A proteção da tela do computador é uma coisa impressionante. Adoraria ver as mesmas pessoas que escrevem isso, sentadas em uma mesa e olhando na cara do outro. Você pode ver tudo clicando aqui, mas alguns comentários são escabrosos como esses (copiados diretamente das mensagens):
  • Qual o problema. O transporte é necessário. Não somos escravos da natureza. A natureza foi criada para servir aos homens.
  • … criminoso são vcs petistas que destruíram nosso país e encheram os bolsos de políticos corruptos como o Lula.
  • Protegida por Quem? Bolsonaro analisa o viabiliza essa ferrovia e pronto.
  • … já estamos morrendo de fome, falta de segurança e infraestrutura á anos, são novos tempos, essa política ambiental xiita implantada nos últimos anos além de ridícula e ineficiente atrapalha o desenvolvimento do país, não vai me dizer que você acredita nessa balela de aquecimento global? E se você realmente acredita nisso prove pra nós, derrube sua casa e faça um jardim. Desenvolvimento e preservação da natureza são complementares em uma sociedade e não um opcional A ou B

E muito mais.

Triste!!!! E assustador!!!

Onde vamos parar com tudo isso? E estou falando dos dois aspectos: ambiental e social.

Talvez minha maior perplexidade seja realmente com a postura das pessoas nas redes sociais. Tantos falam de democracia, de direitos e vemos o abuso de ambos. Conheço casos de amigos de infância, familiares e até mesmo pais e filhos que deixaram de se falar devido divergências ideológicas.

É provável que 99,9% das pessoas que se comentaram no post nunca leram uma linha de um artigo técnico/científico sobre o assunto. A apropriação do conhecimento baseado em “achómetros” se tornou a verdade instantânea e pior, indiscutível.

E os próximos anos !?!??!